Angela Leite -

Bufo crucifer

Bufo crucifer *


Não o conheço e devo desenhá-lo.

A situação familiar não elimina a tensão. Um princípio de logro ronda o leitor do resultado.

Desafio minha mão para aquela destreza: pula aberta – fecha quieta; abre móvel – deita fechada; salta esticada – para fletida... e sempre me sobra um dedo desafinado.

Parto do gosto. Sapos me encantam pelo tamanho – um punho de gente; pela forma arredondada – pequenas bolas que pulam com precisão. Redondos nos olhos salientes, no traçado curvo da boca, nas patas dianteiras viradas para dentro. Barrigudos, coxas de mulher, uma bola estufada no peito quando cantam (para) a fêmea. Esticam a língua, esticam a perna, sempre em ritmo sincopado. Convexos no chão, espichados no ar. E de novo a esfera lustrosa cravejada de grãos. No lombo maiores, assimétricos. Patas, peito e barriga com um relevo regular. No movimento se alongam – na pausa se encolhem. Relaxam abreviados, não se distendem para dormir. Quanto menores ficam, mais descanso se dão. Repousam abrigados em si mesmos, ângulos recolhidos nos côncavos do corpo, como jogo de encaixe. Refeita a esfera, deu certo.

Conhecido por poucos, monto a imagem pelo que me dissertam a respeito.

“Menor que o cururu, mais freqüente que o sapo-boi, gosta da luz dos postes que atrai os insetos de sua gula. Mais comum no Sul e Sudeste. Uma quilha divide seu dorso, a cor varia como em seus congêneres mas há manchas distintivas...”

Começo a traçá-lo seguindo as indicações. Garanto a diferença com o marinus e o paracnemis, já desenhados. Cheguei a fazê-lo, a partir do ouvido e do lido? Um bate-bola barulhento é interrompido no meu quintal. – Sapo, – Sapo, é a nova gritaria. Pulo da cadeira, com menos graça que eles.

Chego na calçada com ares acadêmicos. Examino o pequeno corpo esticado como se estivesse no ar, a língua distendida com mosquitos como se os fosse engolir. Ao contrário da cinética aprendida, espichado no chão. Reconheço os desenhos escuros que lhe contornam as coxas, as berrugas espalhadas pelo lombo, a linha irregular que lhe divide as costas, duas luas crescentes atrás dos olhos. Conto quatro dedos nas mãos e cinco nas patas de trás. Ele só pode existir conferido com meu desenho. A cada acerto ele fica mais real.

Sim! É o sapo que eu procuro. Ele tem nome – Bufo crucifer! É inconfundível, é único, é o próprio! Minhas mãos ficam geladas. Uma emoção contrária à descoberta me molha a cabeça. Volto triste para minha sala. Sem pulos, sem fôlego. Morreu o sapo antes do nosso encontro, ali tão perto... Por tão pouco. Retorno ao poste no dia seguinte. Peço aos meninos para me trazerem o morto. Vou olhá-lo melhor, corrigir o que pensei dele. Não vou deixá-lo insepulto. Uma tabuleta no meu jardim vai indicar que aqui jaz um príncipe.

* Nome científico à época da redação do texto, atualizado para Rhinella crucifer