Angela Leite - 2005

Endemismo no crepúsculo

Endemismo no crepúsculo


No norte capixaba a crônica noturna começa a se desenrolar. Ao sol poente sucede a cena lunar na presença de seus coadjuvantes.

Temerosas do frio serrano novas personagens comparecem à baixada litorânea no outono.

Com a garalhada costumeira o bando de chauás se reúne na alta palmeira. Depois de um dia laborioso, dispersos em pequenos grupos, há muito o que contar antes que o sol se apague.
De natureza oposta, é hora do solitário roedor já dado por perdido, se habilitar para o turno da noite.

Bastante dócil e de voz rouquenha – no dizer de João Moojen, que o manteve cativo nos idos de 50 –, deixa lentamente seu abrigo diurno à disposição dos hóspedes que se anunciam com alarde. Com algum auxílio da cauda semi-preênsil e os fortes membros de quatro dedos e polegar reduzido, vai se servindo das garras afiadas ao descer pelo estipe, não de marcha-à-ré como muitos, mas sim “de bico”, conforme observou Adriano Chiarello em anos recentes.

Na pouca mata que lhe restou (restrita à concorrida Hiléia baiana com reservas invadidas por posseiros, pataxós e caçadores contumazes e à floresta vestigial chamada pelos tupis de “terra-de-plantação” – kapi-xava), ainda foge dos que ora lhe apreciam parcos gramas de carne, ora maldizem ou bendizem os espinhos moles que lhe cobrem o corpo.

Compondo o cenário para tão discreto luís-cacheiro, o pequeno jacarandá-tã-cipó conta apenas com a ação do vento para disseminar-lhe as sementes agora no ponto ideal. Levíssima aragem de maio balança as palmas prateadas do buri, palmeira mais freqüente na região. Mais hirta que ele, a altaneira patioba atrai visitantes que preferem abrigar-se no dossel como os multicoloridos papagaios-chauá.

Na mata à espera do luar, vistosas flores alvas aguardam a noite para exibir sua garganta encarnada. Em curta temporada. Da mesma paineira-das-pedras também caem folhas e mais folhas digitadas. No solo da floresta atlântica, misturam-se aos últimos cocos saborosos da safra farta que se prolongou até abril na patioba. Ainda as cuias do cutieiro se espalham maduras pelo chão à espera de degustadores silvestres.

Torcemos para que inúmeras e admiráveis noites tenham um começo alvissareiro como este.