Na tela, um alerta à fauna em extinção
Ressacas na Praia do Leblon e uma matinha em plena Copacabana são recordações de quem viveu um Rio de Janeiro, ainda capaz de interagir com bichos em sua zona urbana. Ratazanas, gambás, corujas, esquilos, borboletas raras e beija-flores desconhecidos faziam a festa da então menina Angela Leite, que hoje, às 19h30, faz o seu vernissage, com apoio da Espaço Capital Arte Contemporânea, na Galeria “B” da Fundação Cultural – Av. W/3 Sul Q. 508, bloco “A” – onde suas xilogravuras, intituladas de Nossos Animais em Extinção, feitas em papel arroz, poderão ser apreciadas até o dia 28 de outubro, diariamente das 10 às 20 horas, e aos sábados, das 14 às 18 horas.
Os passeios pela pequena floresta, com o passar do tempo, foram entremeados por incursões no escritório do avô, forrado de enciclopédias, de Darwin, Buffon e nos clássicos gregos, inventariando coleções de vida que não existiam mais. Formada em Filosofia e estudo grego, a artista iniciou-se na arte de gravar aos quinze anos de idade, com a gravadora Ana Shults. Aos dezenove passara a ser aluna de Zite Viana, que por sua vez tinha recebido aulas de Livio Abramo, de quem Angela foi um dia considerada neta. A formação e a pesquisa no estudo do mundo animal foi autodidata, mais tarde completada por uma pós-graduação, como ouvinte, em Ecologia na USP. E Ecologia é o tema que envolve a vida de quem, com sua arte, procura não somente a beleza estética de suas obras, mas também uma maneira de chamar a atenção das pessoas para a preservação da natureza e suas espécies. Segundo ela, cabe ao artista divulgar e cativar o público para a causa, já ao biólogo compete registrar os dados e informações corretas a respeito do mundo animal. Cada um tem o seu papel, contudo, Angela não grava absolutamente nada, sem antes ter feito uma pesquisa adequada, que lhe forneça os dados concretos sobre o bicho trabalhado.
Cientificamente, as categorias ameaçadas obedecem aos seguintes critérios: em extinção, vulneráveis, raros e em situação indeterminada. A idéia básica, passada pela artista, é a de que, de uma forma ou de outra, toda a fauna encontra-se em estado de ameaça. Os dados oficiais mais recentes, datam de 1973, quando uma lista foi elaborada pelo IBDF, da qual constavam 85 animais. De lá para cá, nada foi feito no sentido de promover uma atualização do trabalho. Angela faz uso desses dados, porém, por conta própria, busca outras fontes, já que não há condições de seguir em frente baseando-se apenas em itens defasados da realidade atual.
Um de seus consultores é o Almirante Ibsen Gusmão Câmara, presidente da FBCN – Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – sediada no Rio de Janeiro. Como especialista em baleias, muito colaborou para os trabalhos de gravação do universo destes cetáceos, que, entre pesquisa e cópias finais, ocuparam-lhe doze meses. O processo é lento, e um ano é muito para quem deseja desesperadamente fazer, a tempo, todos os animais ameaçados. Porém o trabalho não acompanha a devastação, e nem o processo que a xilogravura requer.
A fidelidade e a poesia se mesclam na arte de Angela, que sem fugir um só momento na natureza específica, do comportamento e da personalidade inerente a cada animal, carinhosamente transmite suas expressões, explicando detalhes de rosto, palma da mão ou ainda olho com olho, como foi o caso do peixe boi. Antas, jacarés, onças, baleias, tamanduás, corujas, araras, tatus e papagaios são apenas alguns dos exemplares em extinção, que poderão ser observados entre as vinte e sete peças expostas na mostra, onde o expectador contará também com textos elucidativos do panorama atual de alguns animais. Até uma candidatura foi proposta e encampada por Angela, o ornitólogo da FBCN, Helmut Sick lançou o nome da Ararajuba como animal símbolo do Brasil. Aos eleitores compete o voto.
“A ecologia, hoje em dia, está bem mais acessível e conhecida. A consciência da preservação ganhou espaço na cabeça das pessoas”, afirma a artista ao concluir que as crianças e os adolescentes da atualidade sabem que nasceram em um mundo empobrecido e desgastado, ao contrario de quem hoje é adulto, que com diferença de poucas décadas, nasceu acreditando na inesgotabilidade da natureza – “vivíamos num país tropical, abençoado por Deus, onde tudo se criava e se multiplicava”, finaliza.
Mônica Silva da Silveira – 1986
A artista desenvolve atividades de sensibilização às questões da natureza com escolas e instituições. Participa de campanhas de entidades como a União em Defesa da Natureza e a Rede Pró-Unidades de Conservação e é membro-fundador da União em Defesa das Baleias. Ministra, também, cursos de xilogravura combinados ao conteúdo ambiental e de sustentabilidade.