Angela Leite - 0
Peixe-boi
Peixe-boi (Trichechus inunguis)
Os nórdicos preferiram inspirar-se com a ordem dos sirênios sonhando com lindas mulheres de rabo de peixe, irresistíveis para o marinheiro incauto, que por elas perdia o juízo ou mesmo a vida. Desde que foram associados a bois – comestíveis – seus dias estão contados, a exemplo da vaca-marinha de Steller, extinta cerca de 30 anos depois de descoberta (1741) pelos baleeiros, no mar de Bhering. Trilhando esta tradição, já em 1560, o nosso sirênio era denominado de “boi-marinho” pelo padre Anchieta, quando na verdade o parentesco está confirmado com o elefante e o hirax. Enquanto “peixe-boi”, sua trajetória para o extermínio data do século XVII, segundo observações de José Bonifácio que denuncia que, em 1658, carregavam-se 20 navios anuais – só com o sirenídeo – ao passo que em sua época nem um podia ser preenchido. Com o incremento da indústria de couro da Amazônia, entre 1935 e 1954, foram abatidos 200 mil animais. Apesar de estar protegido por lei desde 1971, o impedimento legal não pode favorecê-lo, pois para cada 700 mil km há um único guarda florestal, como deplora Robin C. Best, que a ele se dedica no Inpa, dirigindo o “Projeto peixe-boi” desde 1974.
A mesma sina ronda o manatim do Caribe e o dugongo do Índico e do Pacífico Ocidental. Gerando apenas um rebento a cada 12 meses a intervalos de três anos, a fêmea atravessa grávida o período crítico da estiagem, ficando a descoberto nas águas rasas onde pouco se alimenta, consumindo a gordura acumulada nos meses de fartura. O filhote nasce com cerca de 20 kg, na estação chuvosa, sendo amamentado ate aos 18 meses, quando começa a ingerir capins aquáticos (implantados nas margens) e aguapés (flutuantes) além de outras plantas aquáticas, mastigando-os ruidosamente. Passa então a ser representativo da única ordem de mamíferos aquáticos exclusivamente herbívora, consumindo uma média de 16 kg de plantas por dia, para um sirênio de 200 kg. Consumo tão relevante outorga-lhe o trunfo ecológico de ser o controlador ideal de flora aquática, impedindo a obstrução de canais e barragens, fato comprovado pela experiência de Curuá-Una, por sugestão do Inpa. Alertada pelo mesmo instituto para a importância do peixe-boi no ecossistema amazônico (eles devolvem à água 40% dos 16 kg de plantas que ingerem diariamente, contribuindo para o ciclo das algas e do plâncton de que se nutrem os peixes), a população da ribeirinha mostrou-se sensível. Mas bem sabemos que a predação passa pelo caboclo regional, para passar pelo atravessador, para enfim se originar na grande empresa, no rico comercio, que banca a caça e garante o preço de produtos do nosso manatim. Segundo levantamentos científicos, apenas a região amazônica abriga as duas espécies ocidentais: o marinho ou peixe-boi do Caribe (Trichechus manatus), com unhas nos dígitos das nadadeiras e o continental (Trichechus inunguis), menor e mais escuro, exclusivo desta bacia fluvial. Esta afirmação terá vida curta, se não houver, desde já, um enérgico controle da referida cadeia que o condena a extinção.