Angela Leite - 0

Sabiá-una

Sabiá-una (Platycicchla flavipes)


Quem adormeceu embalado por cantigas de ninar, não ignora que o sabiá se desespera em gaiola, e vai batendo a cabeça até morrer ou fazer um buraquinho nas grades para fugir. Sabe também que ele gosta de cantar, no alto do abacateiro e promete voltar, pois é pouco desconfiado e lhe agrada morar perto dos homens. Quem insiste em engaiolá-lo ou foi pouco ninado ou apagou a doce e pungente lembrança infantil, para recordá-la, não seria suficiente encantar-se de novo, de manhãzinha ou ao cair da tarde, com o melodioso canto das aves em liberdade?

Por absurdo que pareça, não é a linda voz o que mais ameaça o sabiá. É a sua carne. No sul do país entranhou-se a “passarinhada” européia. Em Santa Catarina e no Vale do Ribeira, os sabiás descem a serra, fugindo do frio rigoroso. E, anualmente, o bando migrante, traçando a mesma rota da mata, encontra a morte em redes de nylon, estendidas entre as árvores.

Salgadas no local, as aves são comercializadas como charque. Têm larga aceitação em São Paulo, onde os nordestinos matam a saudade das passarinhadas de avoantes que cobriam de sombra uma floresta, no vôo de arribação e vêm sendo abatidas aos milhares. O sabiá-una (ou preto) vive no Sudeste do Brasil em matas do Rio Grande do Sul à Bahia. Um ou outro casal tem reaparecido em São Paulo, em lugares muito arborizados, para nidificar.

É tido como o melhor flautista da família, com sua música comprida e variada. Deleita-se em banhos de sol, de chuva e até de gotas de orvalho. Constrói sólidos e caprichados ninhos, em forma de tigela, apoiados numa forquilha, onde o barro cimenta as raízes e os ramos que alicerçam o leito fofo, acolchoado com fibras fininhas de raízes. Nele deposita quatro ovos esverdeados, salpicados de vermelho, de setembro a fevereiro.

Freqüenta também a Venezuela, Bolívia, Argentina e Uruguai, onde desconhecemos se as meninas choram porque o bichinho fugiu da gaiola ou, simplesmente, porque cantou bem demais.